3 de maio de 2015

A condição de ator, Tadeusz Kantor - Aula 03 de Maio


O desmoronamento da moral burguesa do século XIX, quando somente os maiores talentos obtinham com muita dificuldade direito de cidadania, permite enfim ao ator chegar a uma posição social normal.

Igor Mota e Wilbert Santos
A revolução social dos anos vinte faz dele um trabalhador da cultura de vanguarda. São os anos em que o construtivismo, liberando a arte dos miasmas do idealismo, fascina o mundo por sua doutrina de uma arte concebida como fator de organização dinâmica da vida e da sociedade.
Daniel Ganzaly e Patrícia Nunes

À medida que se desenvolve a civilização industrial e técnica, que a arte perde em numerosos países sua posição de vanguarda e seu dinamismo, o teatro transforma-se cada vez mais em uma instituição e o ator, por conseguinte, em funcionário a ela incorporado. Os direitos que havia obtido esfacelam-se ao contato com uma sociedade de consumo cujas idéias e existência estão fundamentadas sobre um pragmatismo radical, o culto da eficácia e um sentido de automatismo hostil a qualquer intervenção perturbadora da arte.

   
Matheus Lopes e Romário Leite
 A assimilação a essa sociedade leva à surdez artística, à indiferença e ao conformismo. 
Essa decadência é acelerada pela expansão dos meios de informação de massa: cinema, rádio, televisão.

Nesta etapa final reencontramos atitudes que têm estado sempre próximas uma da outra, a saber: o conformismo moral, uma indiferença absoluta quanto à evolução das formas e também a esclerose artística.

Uma certa laicização e a democratização do ator contribuíram para sua emancipação histórica, mas paradoxalmente tornaram-no medíocre.
A assimilação e a recuperação do artista e de sua arte pela sociedade de consumo encontram um exemplo típico no ator.
Marcílio Alves e Lucas Vasconcelos

O ator-artista foi desarmado, aprisionado. Sua capacidade de resistência, tão importante para ele mesmo quanto para o papel que desempenha na sociedade, foi destruída, o que o leva a obedecer a todas as conveniências e leis que regem o bem-estar na sociedade de produção e de consumo, a perder sua independência, que é o que, colocando-o fora da comunidade, permite-lhe agir sobre ela.

Marília Alves e Eduardo Gabriel 
A reforma do teatro e da arte do ator deve realizar-se em profundidade e tocar os fundamentos do ofício.
Durante um longo período de isolamento social, a atitude e a condição do ator carregaram a marca profunda de traços naturalmente saídos do mais secreto de seu psiquismo, que o distinguem da sociedade bem pensante e fazem nascer, por sua vez, formas autônomas de ação cênica.
Esbocemos uma imagem dessa personagem:
 
-   O ATOR

-        Retrato nu do homem, exposto a qualquer transeunte, silhueta elástica.

-    O ator, forasteiro, exibicionista desavergonhado, simulador fazendo demonstração de lágrimas, de riso, de funcionamento de todos os órgãos, dos vértices do espírito, do coração, das paixões, do ventre do pênis, o corpo exposto a todos os estimulantes, todos os perigos e todas as surpresas; engodo, modelo artificial de sua anatomia e de seu espírito, renunciando à dignidade e ao prestígio, atraindo os desprezos e os escárnios, tão perto das lixeiras quanto da eternidade, rejeitado pelo que é normal e normativo em uma sociedade.


-    Ator que vive unicamente no imaginário, levado a um estado de insatisfação crônica e de insaciabilidade perante tudo aquilo que existe realmente, fora do universo da ficção, que o compele a uma nostalgia perpétua constrangendo-o a uma vida nômade.




- Ator forasteiro, eterno errante sem lar nem lugar, buscando em vão o porto,
carregando em suas bagagens todo o seu bem, suas esperanças, suas ilusões perdidas, o que é sua riqueza e sua carga, uma ficção que ele defende zelosamente até as últimas conseqüências contra a intolerância de um mundo indiferente.




In "Le Théâtre de la Mort". Editions L'Age d'Homme, Lausanne, 1977, p. 162-165. Tradução de Roberto Mallet.



Aula: Robinson Aragão

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