O desmoronamento da moral burguesa do século XIX, quando somente os maiores
talentos obtinham com muita dificuldade direito de cidadania, permite enfim
ao ator chegar a uma posição social normal.
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Igor Mota e Wilbert Santos |
A
revolução social dos anos vinte faz dele um trabalhador da cultura de
vanguarda. São os anos em que o construtivismo, liberando a arte dos
miasmas do idealismo, fascina o mundo por sua doutrina de uma arte
concebida como fator de organização dinâmica da vida e da sociedade.
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Daniel Ganzaly e Patrícia Nunes |
À medida
que se desenvolve a civilização industrial e técnica, que a arte perde em
numerosos países sua posição de vanguarda e seu dinamismo, o teatro
transforma-se cada vez mais em uma instituição e o ator, por conseguinte,
em funcionário a ela incorporado. Os direitos que havia obtido esfacelam-se
ao contato com uma sociedade de consumo cujas idéias e existência estão
fundamentadas sobre um pragmatismo radical, o culto da eficácia e um
sentido de automatismo hostil a qualquer intervenção perturbadora da arte.
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Matheus Lopes e Romário Leite |
A
assimilação a essa sociedade leva à surdez artística, à indiferença e ao
conformismo. Essa
decadência é acelerada pela expansão dos meios de informação de massa:
cinema, rádio, televisão.
Nesta
etapa final reencontramos atitudes que têm estado sempre próximas uma da
outra, a saber: o conformismo moral, uma indiferença absoluta quanto à
evolução das formas e também a esclerose artística.
Uma
certa laicização e a democratização do ator contribuíram para sua
emancipação histórica, mas paradoxalmente tornaram-no medíocre.
A
assimilação e a recuperação do artista e de sua arte pela sociedade de
consumo encontram um exemplo típico no ator.
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Marcílio Alves e Lucas Vasconcelos |
O
ator-artista foi desarmado, aprisionado. Sua capacidade de resistência, tão
importante para ele mesmo quanto para o papel que desempenha na sociedade,
foi destruída, o que o leva a obedecer a todas as conveniências e leis que
regem o bem-estar na sociedade de produção e de consumo, a perder sua
independência, que é o que, colocando-o fora da comunidade, permite-lhe
agir sobre ela.
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Marília Alves e Eduardo Gabriel |
A
reforma do teatro e da arte do ator deve realizar-se em profundidade e
tocar os fundamentos do ofício.
Durante
um longo período de isolamento social, a atitude e a condição do ator
carregaram a marca profunda de traços naturalmente saídos do mais secreto
de seu psiquismo, que o distinguem da sociedade bem pensante e fazem
nascer, por sua vez, formas autônomas de ação cênica.
Esbocemos
uma imagem dessa personagem:
-
O ATOR
- Retrato nu do homem, exposto a qualquer transeunte, silhueta elástica.
- O ator, forasteiro, exibicionista desavergonhado, simulador fazendo demonstração de lágrimas, de riso, de funcionamento de todos os órgãos, dos vértices do espírito, do coração, das paixões, do ventre do pênis, o corpo exposto a todos os estimulantes, todos os perigos e todas as surpresas; engodo, modelo artificial de sua anatomia e de seu espírito, renunciando à dignidade e ao prestígio, atraindo os desprezos e os escárnios, tão perto das lixeiras quanto da eternidade, rejeitado pelo que é normal e normativo em uma sociedade.
- Ator que vive unicamente no imaginário, levado a um estado de insatisfação crônica e de insaciabilidade perante tudo aquilo que existe realmente, fora do universo da ficção, que o compele a uma nostalgia perpétua constrangendo-o a uma vida nômade.
- Ator forasteiro, eterno errante sem lar nem lugar, buscando em vão o porto,
carregando em suas bagagens todo o seu bem, suas esperanças, suas ilusões perdidas, o que é sua riqueza e sua carga, uma ficção que ele defende zelosamente até as últimas conseqüências contra a intolerância de um mundo indiferente.
In "Le Théâtre de la Mort". Editions L'Age d'Homme,
Lausanne, 1977, p. 162-165. Tradução de Roberto Mallet.
Aula: Robinson Aragão
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